sexta-feira, 28 de dezembro de 2007







Entrevista com Gilson Corsaleti

Bom pessoal,aproveitando a oportunidade lá vai mais uma pérola deste blog:entrevista inédita com o musico Gilson Corsaleti, primeiro timpanista da OSUEL(Sinfônica de Londrina).Esta matéria era para ter sido públicada na Modern Drummer do mês de Julho,mas como ninguém se habilitou a publicá-la, decidi fazer justiça com esta grande figura das artes percussivas no sul do Brasil:aproveitem..

GILSON CORSALETTI: “MESTRE DO RITMO

Por Kadú Guariente


Escrever sobre Gilson Corsaletti não é missão fácil. Gilson é uma típica figura que poderia passar facilmente por qualquer um de nós como um dentista, advogado ou empresário tal a retórica e envolvimento que ele tem com a vida, com seus alunos, seus instrumentos de percussão e sua velha bateria gretsch com seu bumbo de 18”.Formado inicialmente em Psicologia na Universidade Estadual de Londrina, Gilson se tornou o típico “Paizão” da turma de músicos aspirantes e estudantes de bateria no norte do Paraná e interior de São Paulo. Este paulista de Santo Anastácio,depois da experiência acadêmica, finca o pé na música, se formando aos 25 anos na FAP-Arte em São Paulo.Estudou Trompa com Enzo Pedini,percussão afro-cubana com Dinho Gonçalves e africana com Daniel Slon e bateria com o mestre Dirceu Medeiros.Teve o honrado mérito de ter passado pelo CLAM (Centro Livre de Aprendizagem Musical – dirigido pelo Zimbo Trio) inicialmente como aluno em 85 estudando piano,e sendo orientado na bateria pelos Mestres João Rodrigues Ariza o “Chumbinho” e Rubinho Barsotti, tendo como colega de estudo o nosso não menos conhecido e prodigioso baterista Pércio Sápia, e em seguida como professor (de 86 à 88). Em 89 mudou-se para Londrina e fundou o curso de bateria “Ritmo”. Baseando-se em sua experiência de São Paulo como músico profissional, construiu uma carreira digna como professor, músico de orquestra sinfônica e baterista de música instrumental. ”Gilsão”, como o chamamos é aquele tipo “matuto” de voz mansa e muito bom humor que prende os alunos no ritmo como diz ele “domando cavalo bravo” ora, nada mais correto para quem fora criado no interior e vê a constância e evolução rítmica do estudante como o acerto do galope em um cavalo selvagem !
Em sua carreira profissional acompanhou Márcia Salomon,Robson Borba,Mane Silveira,Jorge Oscar(contrabaixo),Chuck Morronick,Sivuca,Altamiro Carrilho entre outros.Além de ter gravado os principais CDs da Sinfônica de Londrina e do Festival de Música de Londrina(FML),gravou com artistas locais como O Bando do Cão Sem Dono,Chaminé Batom e Vitor Gorni.
Foi assim, que de sua chegada à Londrina, passa a compor o quadro da Orquestra Sinfônica da Universidade Estadual desta cidade como percussionista, lançando durante este período de 89 para cá as versões já conhecidas de seu “Curso Ritmo” inicialmente em apostilas com fitas cassete e hoje já nacionalmente conhecido por este método. O mesmo também teve uma incursão como fabricante de baquetas em 95 chamada Shock Drumsticks . Apóia e dá acessoria à marca “Planet Drums” e a Alba Drumsticks, recém lançadas no mercado. Por isso registramos um pouco da história de Gilson e tivemos uma bate papo virtual que com certeza trará muitas histórias interessantes aos nossos leitores. É o que veremos agora neste número da Modern Drummer:

1- Uma das características marcantes de seu método “RITMO” é o foco dado aos exercícios com toques progressivos (DE/DDEE/DDDEEE..) para mãos, pés e condução rítmica. A influência de mestres como Chumbinho do Clam foi que te levou a este enfoque no método ou foi algo que surgiu intuitivamente em seus estudos?

Quando dei aulas no CLAM tive o privilégio de conviver diariamente com dois grandes educadores: O Chumbinho e o Rubens Barsotti. Naquela época conversávamos sempre, como deveria ser uma seqüência de estudos para o aprendizado de bateria. Então, inegavelmente recebi muitas influências dessas duas pessoas, tanto musicais como de postura de vida. Percebi como são importantes estes estudos técnicos que você mencionou. Além desses, todos os rudimentos, principalmente os iniciais : Rulo Simples, Toque Duplo, Paradiddle, Flam, Drag, Buzz-Roll e os Rulos contados (de 5, 7 e 9 toques). Esses estudos são a base de todo o fraseado musical que o baterista/percussionista executa no decorrer de uma música. Na condução rítmica, usamos sempre 1 a 4 toques por tempo, às vezes acrescidos de pausas e acentos, o que dá a característica de cada ritmo.



2- Além dessa experiência no Clam, quais outras atividades você realizou na época?

Antes de morar em São Paulo estudei Psicologia na Universidade de Londrina mas não terminei. Em 84 fui prá São Paulo estudar Educação Artística (Habilitação em Música) na FAP-ARTE (Faculdade Paulista de Arte). Além da Faculdade fiz dois anos de aulas com o Mestre Dinho (Dinho Gonçalves) que era no mesmo prédio da Faculdade. Essa experiência foi muito enriquecedora, pois era um ambiente muito musical. Nessa época também eram alunos do Dinho, o James Muller, o Beto Caldas, a Mírian Cápua, entre outros. Nas festas da Faculdade fazíamos muito som, era uma briga para tocar bateria, fazíamos revezamento! Estudei também com o Dirceu Medeiros. Ele pegava o método Bona e fazia a gente tocar cada linha de nove maneiras diferentes: só no bumbo, alternando com caixa, conduzindo no prato, conduzindo no chimbal, etc...Era de matar! Também toquei em bares no Bexiga, em diversas formações, inclusive participei das primeiras gravações e shows da Márcia Salomon. Toquei também com Saldanha Rolim, Saulo Laranjeira, Robinson Borba, Tião Carvalho, entre outros. Participei de um grupo instrumental o “Gazz de Rua” e outro de festas de casamento “Chorus Band.”

3- Como foi que de baterista você migrou também para a percussão
sinfônica?

Quando estava em São Paulo morava com mais quatro músicos. Um deles era o Saulo Camargo, que estudava percussão sinfônica na UNESP com o John Boudler e me passava informações. Ele nos levava ao Teatro Municipal assistir concertos e acabei me interessando. Estudei até Trompa na Escola Municipal de Música com o Enzo Pedini, mas percebi que meu negócio era percussão e bateria. Quando cheguei a Londrina em 89, a Orquestra da Universidade abriu concurso para percussão, prestei e passei. Comecei a estudar percussão sinfônica nos Festivais de Música que são realizados em Londrina todos os anos em julho. Inicialmente com Ney Rosauro e Pedro Sá (que era o timpanista da Orquestra), depois com o Marcello Casagrande e o John Boudler e seus monitores. E nada como a prática diária na Orquestra, enfrentando desafios e Maestros para melhorar !

4- Percebemos também que muito da técnica, exercícios e solos criados para o método “RITMO” tem uma forte influência do seu estudo com percussão sinfônica (como no caso, os toques paralelos). Você poderia nos explicar como um estudante de bateria poderia se aproveitar mais da percussão sinfônica para utilização em seus estudos diários?

As exigências mais marcantes da percussão sinfônica para o percussionista são: a diversidade de instrumentos que se tem para tocar, a leitura precisa que se deve ter e as dinâmicas (intensidades) com que se deve tocar cada trecho musical. É exatamente nas dinâmicas que um baterista se beneficiaria estudando métodos de técnica para caixa, além de desenvolver ainda mais sua leitura rítmica. Uma das qualidades de um bom baterista é conseguir chamar a atenção exatamente pelo “silêncio” provocado em algum trecho musical, além das surpresas e expectativas criadas para enriquecer o discurso melódico de um outro instrumento. Alguns métodos para caixa que me auxiliaram muito quando me preparava para ingressar na Sinfônica: Readin’, Ritin’, and Rudiments by John W. McMahan; Percussion Manual by F. Michael Combs e Modern School for Snare Drum by Morris Goldenberg.

5- Diferentemente de outros bateristas/percussionistas, você sempre demonstrou uma veia administrativo-empresarial. Digamos, um baterista com visão além da do artista de palco, shows e gravações. Isso ocorreu quando fundou o curso “RITMO”, a Shock Drumsticks e atualmente apoiando a marca Planet Drums tanto como “endorser” quanto participante em reuniões desta importadora. Como você vê o espaço dos músicos e neste caso os bateristas na gestão empresarial?

Creio que com uma vida direcionada somente para a área artística, pode se chegar a um ponto onde as exigências econômicas do dia a dia acabem por sufocar esta atividade que tanto amamos e nos dedicamos tantas horas por dia. Para que isso não ocorra, acho importante que todos os músicos exerçam esta atividade com os pés bem no chão. Devem procurar ter renda fixa, trabalhando em várias frentes possíveis como em estúdios, grupos de bailes, aulas, workshops e também oferecendo seus conhecimentos específicos para opinar em análise de instrumentos e equipamentos profissionais que estão entrando no mercado. Acho que mesmo pensando assim, ter a música como profissão não é nada fácil. Cabe a nós procurar saídas dignas e construir uma profissão com o devido reconhecimento da sociedade. Para isso temos que agir como tal: Cumprir compromissos, chegar no horário, estar vestido adequadamente para cada situação, ter seu instrumento em boas condições, etc...

6- Muitos ex-alunos seus, são hoje notórios bateristas de shows, gravações e excelentes educadores, inclusive com mestrado em música como no caso o Rodrigo Serra e o baterista da banda Grenade Vitinho Gorni. O que estes 20 anos de curso agregaram de mais valor a você? Treino técnico e musicalidade, formação para a vida...?

Muitas coisas acontecem em relacionamentos de aulas e em várias direções. Aprendi muito a ter paciência, compreensão. Também aprendi a “puxar a orelha” daqueles que estão precisando de um pai. Procuro sempre mostrar que “cada hora exige sua coisa” e não “cada coisa em sua hora”, porque na segunda frase está em jogo a nossa vontade, o nosso ego, o lado estrela que temos que sempre policiar. Um exemplo “clássico” é o baterista que está estudando paradiddle e na hora de tocar com a banda fica o tempo todo aplicando o estudo, até em bolero. Não está preocupado com a música e sim com sua performance. Procuro mostrar aos alunos que eles devem procurar sua identidade no instrumento. Acho que além de formarmos músicos bateristas, temos que nos preocupar em formar pessoas que tenham um sentimento de solidariedade e ética, pois estes valores independem da profissão escolhida, ficam para sempre e transformam a sociedade que vivemos.

7- O que te levou a fabricar as baquetas Shock ?

Bem, inicialmente um gosto por madeira que tenho desde criança. Além disso em 95 não encontrava nenhuma baqueta longa como eu gostaria de ter para tocar. Comecei como uma brincadeira, pesquisando, fazendo experiências com várias madeiras. Nesse processo acendeu o lado empresarial e entrei de cabeça. Consegui fazer a baqueta longa que queria, com 42,5 cm e com uma cabeça com formato de ponta de agulha que eu projetei. Hoje ela continua viva no modelo que leva meu nome, fabricada pela empresa “ALBA” da qual sou “endorser”. Também foram as primeiras baquetas nacionais a ter caixinha como as do Vic-Firth e também as primeiras a ter a extremidade do cabo totalmente arredondada. Até hoje no Brasil fabricam baquetas sem esse detalhe importante. Pra quem não sabe, esta fábrica teve somente um ano de existência. Nesse período consegui distribuir em toda região Sul, Sudeste, parte do Centro-Oeste e parte do Nordeste e teve como “endorsers”: Nenê, Fabiano Manhas, Rubens Barsotti, Lael Medina e Renato Gracia.

8- Fora a participação como timpanista e percussionista da Orquestra Sinfônica da Universidade Estadual de Londrina (Osuel) e baterista de Jazz e MPB com diversas gravações e participações em grupos da região, atualmente participa de quais projetos musicais?

Atualmente estou com dois grupos musicais: Um quarteto de música instrumental brasileira chamado “Mesa pá 4”, com violão, baixo, sax / flauta e bateria e um trio também de música instrumental mais variado com temas brasileiros, jazz e latin jazz, com piano, baixo acústico e bateria. Quando faço workshops sempre que possível levo o trio.

9- Sabemos que recentemente apoiou a divulgação das baterias Planet. O que te levou a acreditar na divulgação desta marca?

Qualidade, preço, beleza e leveza. No meu dia-a-dia de aulas percebo o quanto os jovens querem ter seu instrumento e normalmente bateria é considerado pela nossa sociedade como um instrumento caro. Esta marca tem tudo que uma bateria de verdade tem, com banco, pratos, inclusive um pedal de bumbo muito bom, com um preço que se torna possível sua compra. Acho muito positivo tanto para as empresas importadoras ou fabricantes quanto para o público, termos no mercado produtos acessíveis e de boa qualidade, para que isso torne possível o sonho te tocar e o sonho de se ter uma empresa vencedora.

10- Inegavelmente você sempre foi um fã assíduo de Buddy Rich, Louie Bellson e Elvin Jones. Atualmente o que você considera ser a grande referência quando o assunto é bateria?

Nunca gostei de eleger o melhor, porque sempre gostei de vários e recebemos influências de muitos, além disso acho importante destacar que baterista deve pensar a música e não em ser o mais rápido nisso ou naquilo, apesar de que deva ter habilidades para tocar vários gêneros musicais e em todos os andamentos que cada gênero exige. Ser referência depende do que nós estamos procurando. Por exemplo, se eu estivesse buscando velocidade e porrada como ideal de bateria, diria que um cara que impressiona é o Marco Minnemann. Se eu quero velocidade nos pés, talvez o Virgil Donatti. Mas, se eu quero ver um músico baterista tocando e pensando a música, aí é diferente. Se me permite, alguns músicos que tocam bateria: Paganini e Edu Batistela (de Londrina), Tuty Moreno, Rubens Barsotti, Alexandre Cunha, Cleber (Curupira), Pércio Sapia, Nenê, Edu Ribeiro, Márcio Bahia, Christiano Rocha, Bob Wyatt (considero ele brasileiro). Dos gringos: Gene Krupa, Ringo Star, Ian Paice, Alan White, Carl Palmer, Ian Christensen, Jack deJhonette, Denis Chambers, entre outros.

11- Podemos esperar alguma modificação no seu método, como por exemplo incorporar alguma tecnologia além do play along? Como os estudantes podem adquirir a versão atual do seu método? Suas considerações finais...

O método “Ritmo” foi concebido com o objetivo de ser uma das opções de cartilha para o baterista iniciante, então neste aspecto ele está funcionando bem. Não vejo razão para modificá-lo. Estou pensando na possibilidade de fazer uma continuação, onde aprofundaria determinados assuntos e acrescentaria um grau maior de dificuldade. Este método pode ser adquirido de qualquer parte do Brasil na Loja Freenote em São Paulo.
Quero agradecer a MD pela oportunidade de poder me expressar e mostrar um pouco das minhas idéias como músico percussionista/baterista. E a você leitor que deseja ardentemente ser baterista ou percussionista: Invista em você, se dedique aos estudos. Quanto mais conhecimentos, mais possibilidades de trabalho aparecem. Seja eclético. Toque com responsabilidade e amor! Abraço a todos.